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Mensagens

A mostrar mensagens de fevereiro, 2020

A lagarta de pedra I

Da muralha vê-se mais muralha | Pintura de João Maria Ferreira I Eram 6h40 quando chegámos à recepção do hotel, encasacados até ao tutano e passeando dois copos de café improvisados. O motorista já nos esperava e, abordou-nos sem hesitar e, para variar, sem dizer uma palavra em Inglês. Aqui a pontualidade é absolutamente crucial e, embora os portugueses não sejam conhecidos por serem os mais pontuais, nós até temos o hábito de nos portar muito bem nestas situações. Com as mochilas carregadas de bolachas, fruta e alguma água, acabámos por, quase uma hora depois, ser encaminhados para um autocarro onde nos esperavam — a nós e aos restantes turistas coletados pela moribunda carrinha do primeiro motorista — mais uns quantos ocidentais, todos eles muito diferentes entre si e, à primeira vista, todos eles demasiado reservados para o meu gosto. Nevara durante toda a noite e as ruas de Pequim estavam cobertas de frio. No centro da cidade, grande parte da neve já tinha sido cuidad...

Épocas kafkianas pedem Kafkas

Adicionar legenda «Formaram fileiras dos dois lados da escada, encostando-se rente à parede para permitir que K. pudesse passar comodamente por entre elas e alisaram com as mãos os seus aventais. Todos os rostos como também esta formação da fileira denotavam um misto de puerilidade e depravação. No topo, a chefiar todas as raparigas, que agora se juntaram rindo atrás de K., estava a corcunda. Foi graças a ela que K. encontrou rapidamente o caminho certo. Ele queria continuar a subir sempre em frente, porém, a rapariga mostrou-lhe que teria de escolher um desvio para se dirigir a Titorelli. A escada que conduzia ao sítio onde ele morava era acentuadamente estreita, muito comprida, sem curvas e visível em toda a sua extensão, terminando no topo, mesmo em frente à porta de Titorelli. Esta porta, que, ao contrário do resto da escada, era relativamente bem iluminada por uma pequena claraboia colocada obliquamente por cima dela, era feita de tábuas não rebocadas, sobre a...

Soalheiro e solarengo

Muitas são as confusões de uso entre estas duas palavras. É certo que ambas existem, mas cada uma delas deve ser usada num contexto específico. Ora, para que não confundam dias de sol com sumptuosos solares nobiliárquicos, vamos a explicações. Quando abrimos a janela e vemos um sol radioso, devemos dizer que o dia está « soalheiro»  ou « ensolarado »   — e, assim, conjugar a beleza do nosso discurso com a desse dia esplendoroso — em vez de «solarengo», como tantas vezes se ouve. Afinal, «soalheiro» e «ensolarado» são adjetivos sinónimos, que significam «iluminado pelo sol, quente, luminoso». Além desta acepção, «soalheiro» pode também significar — mas, aqui, como substantivo — «lugar exposto ao sol». Por outro lado, « solarengo » significa «relativo a solar, a uma casa nobre», o que nada tem que ver, amigos, com dias de sol, por mais que gostemos deles. Vejamos, então, as seguintes frases: A) «Que bela manhã  soalheira !» B) «Que casa  ...

O Furacão Bong Joon Ho

Ilustração de João Maria Ferreira A madrugada do passado dia 10 trouxe-nos um dos eventos mais esperados do ano: a 92.ª edição dos “Academy Awards”, mais conhecidos por Óscares — um tributo ao nome da pequena estatueta dourada que se veio a tornar o solteiro mais cobiçado de Los Angeles. A cerimónia, destinada a celebrar a excelência no cinema, durou cerca de 3:30 horas e optou por prosseguir sem qualque r apresentador depois do autoproclamado “sucesso” da edição de 2019.  Ainda assim, não faltaram momentos de humor ao longo do evento, que também nos presenteou com os habituais (e emotivos) discursos de aceitação (veja-se por exemplo os discursos de Laura Dern ou Hildur Gudnadottir). Houve também espaço para a habitual controvérsia, já que 19 dos 20 nomeados para as categorias de atuação eram brancos e na lista dos nomeados para melhor director não figurava qualquer mulher — facto bastante abordado ao longo da cerimónia e preceito suficiente para reacender a conversa sobre...

Conversar com amigos e com inimigos?

Não se assustem! Não vos trazemos moralismos, nem queremos — de modo nenhum — que julguem que queremos incitar o azedume que criaram com o vosso colega de trabalho ou a clara preferência que têm por um dos membros do vosso grupo de amigos… «Conversar com amigos e com inimigos» é o mesmo que dizer que, com quem quer que conversemos, há sempre duas coisas que devemos ter em mente   1)  que o objetivo de uma conversa é a  mútua compreensão ;  2)  que devemos adaptar a forma como nos expressamos ao nosso interlocutor, garantindo que a  mensagem é recebida   com   clareza  e  transmitida sem qualquer tipo de animosidade ; É claro: se falarmos com um amigo, mandarmos uma mensagem ou fizermos um telefonema rápido para um familiar, é natural que utilizemos um registo linguístico próprio da relação próxima que temos com esse interlocutor. Assim, somos capazes de utilizar abreviaturas, suprir sujeitos, esquecer as vír...