Conversar com amigos e com inimigos?

Não se assustem! Não vos trazemos moralismos, nem queremos — de modo nenhum — que julguem que queremos incitar o azedume que criaram com o vosso colega de trabalho ou a clara preferência que têm por um dos membros do vosso grupo de amigos…
«Conversar com amigos e com inimigos» é o mesmo que dizer que, com quem quer que conversemos, há sempre duas coisas que devemos ter em mente
1) que o objetivo de uma conversa é a mútua compreensão; 2) que devemos adaptar a forma como nos expressamos ao nosso interlocutor, garantindo que a mensagem é recebida com clareza e transmitida sem qualquer tipo de animosidade;
1) que o objetivo de uma conversa é a mútua compreensão; 2) que devemos adaptar a forma como nos expressamos ao nosso interlocutor, garantindo que a mensagem é recebida com clareza e transmitida sem qualquer tipo de animosidade;
É claro: se falarmos com um amigo, mandarmos uma mensagem ou fizermos um telefonema rápido para um familiar, é natural que utilizemos um registo linguístico próprio da relação próxima que temos com esse interlocutor. Assim, somos capazes de utilizar abreviaturas, suprir sujeitos, esquecer as vírgulas, isto é, ser mais «liberais» na forma como comunicamos.
Por outro lado, se interagimos com alguém que não conhecemos tão bem, que tem um cargo profissional ou um estatuto social superior ao nosso, ou até com alguém de quem não gostamos assim tanto, é igualmente natural que tenhamos tendência para procurar utilizar vocabulário seleccionado, cuidado e adequado ao tema da conversa e ao destinatário, tal como é natural que procuremos ter bastante mais cautela com a correcção morfológica e sintáctica do nosso discurso!
Pois, esta é a razão pela qual, quando ouvimos alguém dizer «Patrão, como estás hoje, pá?», sabemos que essa pessoa não tem a mesma relação de proximidade com esse «patrão» do que tem aquele que responde «Sim, doutor. E quando quer que lhe devolva o relatório?».
Mas a verdade é que, qualquer que seja o cenário comunicativo em que nos encontremos, há várias regras que devemos ter presentes para que o registo linguístico que utilizamos não nos roube esses preciosos dedos de conversa.
É muito simples: toda a comunicação implica que haja sempre um ‘locutor’ e um ‘interlocutor’, mas para que uma conversa não se transforme numa briga de gatos e cães, há quatro máximas que devemos seguir:
- máxima da quantidade — que parte do princípio que fazemos valer a informação que partilhamos e, claro, que deixamos que o nosso interlocutor responda. Não impeça o seu interlocutor de falar e não introduza os ingredientes de uma receita de bolo de ananás quando só estava a descrever a sua ida ao supermercado!
- máxima da qualidade — que assume que não devemos empatar a conversa com ‘factos’ que, na verdade, são ilações nossas ou meras invenções. Seja, portanto, franco e não abane a cabeça em sinal de concordância sempre que alguém perguntar se conheceu o livro x. Se nunca o leu mostre uma de duas coisas: desagrado perante a ideia, ou interesse e curiosidade!
- máxima da relevância — que sublinha o quão importante é seleccionar a informação e cingir a nossa intervenção ao que é adequado ao tema e à discussão. Não se deixe levar por comentários que em nada contribuem para a discussão e, se o fizer, vá directo ao assunto.
- máxima do modo — que lembra que o locutor deve evitar ao máximo utilizar palavras, expressões ou ideias ambíguas que possam resultar em incompreensão ou (pior) em ofensas.
(MATEUS MONTENEGRO, 2006: 95–98)
Esta última máxima leva-nos ainda a outros dois princípios absolutamente cruciais para quem deseja estabelecer um acto comunicativo frutífero e adequado à circunstância em que se encontra.
O primeiro deles é o princípio da cooperação, que presume que, durante um acto comunicativo, todos os intervenientes devem cooperar uns com os outros.
O segundo é possivelmente o mais violado de todos! O princípio da cortesia. Este assume que qualquer acto de comunicação escrita ou oral só colhe frutos se o locutor se esforçar por adequar a forma como interage com o interlocutor e se fizer por não o ofender no processo.
Ninguém gosta de se sentir menosprezado e, mesmo quando estamos a ensinar alguém ou quando assumimos uma posição superior em relação ao nosso interlocutor, a ideia base de uma interação comunicativa tem de ser sempre o entendimento e, consequentemente, a partilha.
Por isso, faz toda a diferença escolhermos dizer que «A empresa decidiu requalificar todos os seus trabalhadores» e não reciclá-los. Também faz toda a diferença não falarmos em invoices ou em landing pages se soubermos que o nosso interlocutor não sabe nada sobre faturação ou sobre páginas web, tal como faz diferença evitarmos um diálogo onde utilizemos demasiados pronomes dele, delas, sua, seus porque, nesse caso, estaremos mesmo a pedir que o nosso ouvinte nos interrompa para perguntar de quem se está a falar! Da mesma forma, também não vale muito a pena dizermos «Eu detesto que me interrompam» quando, para fazer esse reparo, tivemos certamente de interromper quem nos interrompeu em primeiro lugar…
O importante é que a interação ocorra. E para que ela seja fluída — sobretudo com quem conhecemos menos bem — temos de nos esforçar para que o mundo também gire à volta do outro.
Querem melhor forma de combater discriminações e de se ser justo sem se ser, necessariamente, politicamente correcto?
Escrivaninha
Comentários