De que falamos quando falamos de amor, de Raymond Carver

Raymond Carver, De que falamos quando falamos de amor

Foto: Relógio D'Água

Embora também um poeta, Raymond Carver é essencialmente conhecido por ser contista. Na sua curta carreira, conta com várias colecções de contos sendo que aquela de que vos falo aqui foi a sua terceira publicação do género, no ano de 1981, sob o título What We Talk About When We Talk About Love

O título da obra é também o título de um dos contos que a integra — talvez até dos mais famosos do autor e também dos que mais me ficou na memória depois de ter lido toda a colectânea — e foi traduzido por Carlos Santos e publicado em Portugal através da editora Relógio D’Água, com o título De Que Falamos quando Falamos de Amor.

Através de um registo bastante episódico (vários destes contos passam-se num só espaço, num determinado momento, relatando apenas um evento), as relações que se estabelecem entre estas personagens revelam as suas fragilidades e fraquezas. 

Muitas vezes estas acabam por se manifestar em casos de adultério, como, por exemplo, nos contos «Sacos» e «Coreto», ou por reflexões nostálgicas sobre a passagem do tempo nas relações amorosas, como é o caso de «Porque é que não dançam?» e «Para além da sarja». Alguns transparecem também certa ideia de solidão, às vezes a solo – como em «Visor» –, outras vezes em casal, como em «Tanta água, tão perto de casa». 

Este último conto é, a meu ver, um dos mais interessantes de toda a obra, pois acaba por incluir todos os temas que Raymond Carver se propõe a tratar neste conjunto: a violência, a morte, a vida em casal, a solidão. E fá-lo de uma forma em que tudo é sugerido, mas nada é evidenciado. Existem suspeitas, mas não passam disso: o que acontece muito ao longo destes contos. 

Diria até que os textos têm uma origem muito cinematográfica, não só pela sua estrutura episódica já mencionada, mas exactamente pelo tipo de acesso que o narrador dá às suas personagens; como se fosse na realidade uma câmara que incidisse sobre elas e os seus pensamentos e conflitos interiores estivessem nos gestos e pequenas acções, cabendo ao leitor interpretá-los. 

Já o conto que dá título à obra aproxima-se mais do género teatral do que do cinema: o mote narrativo acaba por ser não tanto aquilo que as personagens mostram, mas mais aquilo que as personagens dizem. É um conto sustentado no diálogo e que serve como reflexão ao tipo de histórias apresentadas neste conjunto, através da voz e discussão de dois casais. O tom dramático é tal que me remeteu à peça de teatro Quem tem medo de Virginia Woolf?, de Edward Albee – também pelo conjunto de personagens e pelas temáticas abordadas. Este é estrategicamente o penúltimo conto, como se fosse um comentário geral aos temas abordados ao longo do livro. Quase como se o leitor se estivesse a deparar com um conjunto de personagens que comentam aquilo que tinham acabado de ler.

É apenas sucedido por «Mais uma coisa», que, pelo desfecho do próprio conto, teria também de encerrar a obra. «Mais uma coisa» é sobre aquilo que fica por dizer numa discussão conjugal e que nem sempre é claro, mesmo para quem quer falar. E é exatamente dessa maneira que o conto termina, quase a meio de uma frase, a meio de uma discussão que provavelmente não chegará a ver um fim.

Vale também a pena mencionar que, na sua grande maioria, estas personagens não são sequer minimamente cativantes: muitas delas são detestáveis, com atitudes que facilmente condenaríamos. Ao mesmo tempo, extremamente credíveis. E talvez o verdadeiro fascínio que esta obra me provocou esteja aí mesmo, no retrato simples e cru da mesquinhez humana, que aqui se manifesta em nome daquilo que consideraríamos «amor».

Miguel Serra

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ObraDe que falamos quando falamos de amor

AutorRaymond Carver

Editora: Relógio D'Água


Comentários

Anónimo disse…
O seu texto - tal como outros da Escrivaninha - provoca sempre a vontade de ler as obras que apresenta. Raymond Carver ficou na minha lista. Falta saber se não é necessária a eternidade para ler-se tudo quanto vale a pena. Obrigado.

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