Entrevista a Carolina Zuppo Abed


Esta semana, no Ler para Crer, entrevistamos a autora brasileira contemporânea Carolina Zuppo Abed. Além de escritora, a Carolina é professora no Brasil, onde dá aulas de escrita literária. Entrámos em contacto com ela para uma breve entrevista sobre o seu percurso como escritora; a pertinência de cursos e oficinas de escrita leccionados em Portugal e no Brasil, e o modo como são encarados nos dois países.


Com três livros disponíveis para compra em Portugal – e um quarto pelo qual aguardamos e que se pode encontrar atualmente no mercado brasileiro –, já perspetiva mais dois, dos quais também tivemos oportunidade de falar brevemente.


Façam bom proveito da entrevista à querida Carolina  no embalo da ginga deste belo português.

 

Escritora Carolina Zuppo Abed

Carolina Zuppo Abed
 

Podes contar-nos um pouco da tua trajetória, enquanto professora e escritora? 


Essa é uma trajetória longa, e nela se confundem um pouco os dois papéis que ocupo no sistema literário. Comecei a escrever muito pequena; na verdade, antes mesmo de me alfabetizar já gostava de inventar textos orais, que contava para os meus familiares. Como muitas das pessoas que escrevem, também eu sempre quis ser uma escritora. Comecei a frequentar oficinas literárias aos 14 anos; formei-me em Letras (o equivalente brasileiro ao curso de Línguas, Literaturas e Culturas) e logo entrei na pós-graduação em Formação de Escritores. Paralelamente, comecei a lecionar Técnicas de Redação no segundo e terceiro ciclos e no secundário. 

 

Ao mesmo tempo em que trabalhava na minha literatura, também desenvolvia a escrita dos meus alunos de um ponto de vista literário, mesmo eles sendo adolescentes. A partir daí, orientei minha carreira para o trabalho com a escrita autoral, comecei a ofertar oficinas literárias avulsas e logo fui convidada a lecionar no ensino superior, sempre trabalhando com o desenvolvimento de escrita.


Essa rotina me permite estar permanentemente em contato com textos, o que também favorece a minha escrita individual. O ingresso no mestrado e a subsequente continuidade no doutoramento, ambos realizados em uma linha de pesquisa denominada “Laboratórios de criação – escrita de literatura e teoria” (USP-SP), que privilegia a confluência entre a prática literária e a investigação teórica, também foi fundamental para que essas duas dimensões caminhassem juntas na minha vida profissional.

 

– De que forma é que sentes que a tua experiência como professora de escrita molda a tua perspectiva de aluna? 


Ah, é impossível uma coisa não influenciar a outra. Como professora, tenho noções de didática, de sequência didática, de objetivos de ensino. Como pesquisadora de práticas formativas, tenho também um olhar treinado para analisar as escolhas pedagógicas associando-as a paradigmas tanto educacionais quanto literários que norteiam as ações do professor ou da professora.


Em outras palavras, mesmo quando estou frequentando um curso como aluna eu percebo o que está por trás da aula que está sendo dada e tendo a organizar a minha vivência em sala de acordo com aquilo que para mim faz mais sentido em termos de visão sobre ensino e literatura. Da mesma forma, também minhas experiências como aluna influenciam minha docência, pois me beneficio muito dos modelos que trago da sala de aula: tanto de estratégias bem-sucedidas, que posso adaptar ao meu contexto, quanto daquelas malsucedidas, que procuro não reproduzir.

 

— Acreditas que existe algum preconceito em relação às oficinas de escrita? 


Depende muito do espaço em que se circula. No Brasil, esse preconceito já está, penso eu, quase que completamente superado. Em Portugal, me parece ainda ser mais presente. Já vi em diferentes situações os defensores do ensino de escrita daqui queixarem-se a respeito de oficinas livres dadas com pouco ou nenhum embasamento teórico e com superficialidade técnica. Também os vi comentarem que é difícil encontrar bons professores de escrita no país, pois a maioria dos escritores não se interessa pela coordenação de oficinas.


No Brasil, o panorama é diferente: muitos escritores consagrados dedicam-se também à mediação do aprendizado de criação literária e existem já cerca de duas dezenas de cursos superiores que formam profissionais mais preparados para lidar tanto com a própria prática autoral quanto com o ensino.

 

– De que forma consideras que o ensino das práticas de escrita é diferente no Brasil e em Portugal? 


Bem, como comentei na resposta anterior, o que tenho observado das minhas investigações é um desequilíbrio muito maior entre teoria e prática no cenário português. Aqui, parece-me que há oficinas demasiado práticas, que, no entanto, não se sustentam no plano da teoria, e cursos demasiado teóricos, que não investem o suficiente (na minha opinião, claro) na articulação entre os conceitos trabalhados e as possibilidades de criação dos alunos.


Para dar exemplos mais concretos, tomei conhecimento de um livro escrito a partir de uma oficina de escrita no qual era recomendado que se tomasse cuidado com a leitura de grandes clássicos. Isso, para mim, é impensável. Por outro lado, frequentei cursos supostamente de escrita em que a única vez que me foi requisitada a produção de um texto foi um ensaio teórico ao final da disciplina.


No Brasil, as oficinas costumam se pautar pelo estudo da teoria literária vista pelo olhar do escritor. Isto é: estudamos a teoria e lemos textos consagrados buscando compreender como eles foram construídos, de que estratégias o escritor se utilizou e quais efeitos conseguiu a partir daqueles expedientes literários. Os alunos são instigados a escrever à luz daquilo que foi discutido e, em seguida, seus escritos são lidos e comentados pelo professor ou professora e pelos colegas. Tem-se a ideia de que a prática de escrita – e reescrita – constante é necessária para o desenvolvimento da produção individual, mas esta só pode avançar se paralelamente à produção seja conduzido um trabalho de investigação teórica e o contato muito próximo com grandes textos exemplares.

 

– Para quando um próximo livro? 


Tenho um novo livro de poesia pronto, que se chamará Contar aviões. Estou estudando a melhor proposta de publicação e pretendo lançá-lo em 2023. Também estou finalizando um livro de ensaios sobre a criação literária no século XXI, que gostaria de lançar ainda em 2022, aqui em Portugal, pois há diversos textos que abordam o panorama da escrita no país. Como tenho mais contatos no mercado editorial brasileiro, preciso buscar espaços que queiram editá-lo. Inclusive, aceito sugestões.

 

 

– Onde podemos encontrar os teus livros aqui em Portugal?


Dos meus livros literários, alguns estão disponíveis na Greta, a livraria feminista de Lisboa. São eles: Tecle 2 para esquecer, de contos; Menos o mar Passatempoemas, de poesia. Este último também está disponível na Fnac, sob encomenda. Meu último livro, este técnico, chamado Como escrever mesmo estando em pânico, está para chegar a Portugal nos próximos meses e também poderá ser encontrado na Greta.


Miguel Serra


Escrivaninha


Comentários

Anónimo disse…
Gostei de ler as respostas esclarecedoras de Carolina Zuppo Abed que é uma escritora a ler, sem dúvida.
redonda disse…
Fiquei curiosa sobre o livro que está para vir

Mensagens populares