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Mensagens

A mostrar mensagens de junho, 2020

“Trata-se de”

Fonte: Unsplash No «100 erros» de hoje falamos-vos de um erro de sintaxe que, atrevemo-nos a dizer, é generalizado: o uso do verbo «tratar-se» seguido da preposição «de». É verdade. Mesmo aqueles que falam e escrevem bem podem já ter errado nesta construção que (admitimos) pode não ser totalmente evidente. Esperamos, contudo, que depois deste breve artigo fiquem esclarecidos e orgulhem o linguista mais rigoroso. Vejamos as seguintes frases: a)  « Trata-se de uma obra de Kandinsky». b)  « Trata-se de  obras de Kandinsky». Se ninguém tem dúvidas quanto à correcção da frase a), em relação à frase b) apostamos que há quem lhe torça (erradamente!) o nariz e pense que a opção correcta seria algo como: «Tratam-se de obras de obras de Kandinsky». Nada mais errado. Sem mais delongas, vamos a explicações. Tendo em conta que se trata de uma conjugação pronominal, com o significado de «dizer respeito a», «estar a falar-se de» , o verbo «tratar-se» deve usar-...

São João em casa

Hoje, 24 de Junho, é dia de São João. Mas todos sabemos que dia é este e porque é que o celebramos? Em primeiro lugar, importa lembrar que a identidade do São João que por aí se celebra não é consensual. Contudo, a versão mais popular é a de que o santo que festejamos de 23 para 24 de Junho é São João Baptista — o profeta judeu nascido em Jerusalém, primo de Jesus, tão citado nos quatro Evangelhos, e nascido perto de Jerusalém. Assim, na noite de 23 para 24 de Junho festejamos o milagroso nascimento de João Baptista, filho do sacerdote Zacarias e de Isabel – que, apesar de não poder ter filhos por ser estéril recebe, como Maria, mãe de Jesus, uma visita do Anjo Gabriel que lhe anuncia o nascimento do filho João. No entanto, é também importante salientar que a identidade deste santo católico em honra de cujo nascimento erguemos arraiais, marchas e fogueiras é apenas uma das razões pelas quais celebramos esta data. Aliás, crê-se que, antes de católica, esta era uma festa pagã destina...

À conversa com Camilo

À conversa com Camilo | Ilustração da Ana Xavier – Sou obrigado a pedir desculpa ao meu paciente leitor: aqui estou eu, novamente em deambulações que em nada interessam a quem me lê. Pobre de mim! – Desculpas dessas podiam ser facilmente evitáveis, não lhe parece? Não costumo ser tão adepta desta filosofia, mas estou convencida de que aqui se aplica! – Sabe, devia guardar essas suas rudes críticas para quem não seja, como eu sou, um baluarte da literatura portuguesa do século XIX! Meu caro, tenha respeito! – Pff... Camilo, nunca diria semelhante coisa! Até podia estar coberto de um orgulho aristocrático, mas se há coisa que me parece coerente na sua figura é essa sua constante vontade de ser vítima do mundo. Isso e, claro, o seu vocabulário maravilhosamente genioso! – Vítima do mundo?! Eu? – Então não é, senhor Castelo Branco? Bem sabe que na inocência dessa pergunta esconde precisamente essa sua... Pense lá comigo: passional ou terrífico, você e as suas criações (ou as suas criações e...

O flagelo dos particípios passados

Omitido ou omisso? Ganhado ou ganho? Entregado ou entregue? Encarregado ou encarregue? São perguntas que nos assolam a todos e, na maior parte dos casos, em situações bem pouco cómodas. E porquê? Porque não sabemos a regra e, muitas vezes, não percebemos bem qual o valor destas formas.  Então, antes de mais, saibamos que as formas acima são todas formas do particípio passado (PP) – com excepção do último caso ( encarregado ou encarregue ) e, como já vos dissemos, encarregue não existe como particípio passado.  Ora o particípio passado é utilizado com os tempos compostos (que utilizam um verbo auxiliar + particípio passado) e na voz passiva. Vejamos um exemplo de cada um destes cenários: 1) «Eu tinha estudado muito, por isso passei no exame sem dificuldade.» Aqui, estudado é o particípio passado de estudar e o tempo composto desta frase é o Pretérito Mais-que-Perfeito Composto do Indicativo. 2) «A maçã foi comida pelo João de uma assentada.» Aqui, comida é o particípio p...

Fim de Fernanda Torres, no "doce balanço, a caminho do mar"

Consagrada no meio da representação em teatro e cinema, Fernanda Torres lança-se no universo literário com o romance Fim publicado pela Companhia das Letras em 2013. Eu, que tendo a desconfiar dos artistas 'multi-facetados' que criam em várias frentes, faço um mea culpa .  O romance foca-se em cinco personagens cariocas, às quais se referem, respectivamente, os cinco capítulos da obra: Álvaro, Sílvio, Ribeiro, Neto e Ciro. Entre esta massa masculina, um velho hipocondríaco, um doente de Parkinson, um sedutor potenciado pelo viagra, um marido fiel e um conquistador insaciável. O universo feminino é igualmente matizado, integrando tanto mulheres resignadas a um certo machismo, quanto feministas cultas mas amargas, com diferentes concepções de amor. Compõe-se uma espécie de microcosmos onde convivem as mentalidades mais díspares, desde as mais conservadoras, corporizadas, por exemplo, pelo pai que pretende confrontar o deflorador da filha, às mais liberais — exem...

O paradoxo do Vinho dos Mortos

Fonte: Unsplash Porque sabemos que in vino veritas , porque apreciar um bom copo de vinho pode ser altamente literário, porque o vinho é a bebida dionisíaca – e Dioniso inspira tanta dramaturgia clássica – e porque este vinho encerra em si mesmo um paradoxo, hoje falamos-vos sobre o Vinho dos Mortos. Mas, afinal que vinho é esse, resgatado do submundo, repleto de densidade e com o sabor da maturação entre os segredos da terra? Conhecem-no? O vinho dos mortos remonta, sensivelmente, ao ano de 1808, aquando das Invasões Napoleónicas. Não é, por isso, difícil de compreender que tenha o medo e a cautela na sua origem. Com receio das pilhagens dos soldados franceses, o astuto povo luso escondeu as garrafas de vinho sob as pipas e lagares, naqueles lugares bem frescos onde certa fruta descansa e o vinho amadurece: as adegas. Esgrimido o combate, os vinhos escondidos foram desenterrados e, para agradável surpresa de quem os provou, revelaram-se apurados e sabor...

Dois poemas da nossa infância

Hoje é dia da criança e, por isso, na Escrivaninha assinalamo-lo com dois poemas que marcaram a nossa infância. «Mistérios», de Matilde Rosa Araújo, é a escolha da Elsa.  «O Pastor», de Eugénio de Andrade, é a escolha da Marta. Mistérios O pescador veio do mar Chegou de manhã Trouxe uma rede  Cheia de peixes Que pescara na noite Veio No seu barco Sozinho com os peixes Presos Na rede E as estrelas no céu presas dormiam na luz da manhã Quem come um peixe não sonha estes mistérios Matilde Rosa Araújo Mistérios , Livros Horizonte O Pastor Pastor, pastorinho,  onde vais sozinho? Vou àquela serra buscar uma ovelha. Porque vais sozinho,  pastor, pastorinho? Não tenho ninguém  que me queira bem. Não tens um amigo? Deixa-me ir contigo. Eugénio de Andrade  O meu primeiro livro de poesia , Porto Editora   A Escrivaninha deseja-vos um feliz Dia Mundial da Crianç...