Life in the Big City, de Will Eisner
Capa do livro |
Conheci Will Eisner, aquele que é considerado o pai da banda desenhada, através de uma novela gráfica intitulada Um Contrato com Deus, tendo ficado, de imediato, rendida às pequenas mas universais narrativas e, sobretudo, aos desenhos cuja sensibilidade pulula tanto aos olhos de um leigo como de um ilustrador profissional. Mas, apesar de este ser um livro cuja leitura e atenta apreciação aconselho vivamente, hoje falo-vos de uma outra obra do célebre desenhador e argumentista americano, intitulada Life in the Big City.
Com prefácio de Neil Gaiman — que, aliás, aconselho a lerem depois da obra em si, de modo a evitar revelações precoces no que à trama diz respeito — esta é uma novela gráfica que nos leva numa incursão pela vida diurna e noturna, solar ou soturna de Nova Iorque, ou, na verdade, de qualquer outra grande cidade. Afinal, é muito provável que os leitores se reconheçam, e de alguma forma se vejam retratados, nas cenas que compõem este acurado retrato urbano.
Exímio observador do espaço, dos objectos, dos trauseuntes e da cauda narrativa que cada um deles pode conter, Will Eisner conjuga a perícia técnica do desenho com a capacidade de dotar o traço da alma desses mesmos espaços e das personagens que o habitam.
Aqui encontramos pequenas cenas citadinas, como as que abrem o livro, e se desenrolam, por exemplo, sobre uma sarjeta: o anel rejeitado pela prostituta pedida em casamento e que o esgoto acolhe; a arma caída que, oculta, permite a um criminoso uma fuga discreta; uma chave perdida — a única solução que permitiria o prolongamento de um affair com muitos constrangimentos.
Muitas são as vezes em que Eisner coloca a tónica nos próprios espaços e objectos — centrando as suas (deliciosas) narrativas em torno de uma boca de incêndio ou de uma mail box — ou mesmo nos cheiros, ritmos, sons e na própria concepção do tempo e da tumultuosa ocupação do espaço urbano.
Em Life in the Big City também se ilustra o anonimato aparente, nas pessoas absortas no metro, das quais emergem diferentes pensamentos (dos mais quotidianos aos mais recônditos), o voyeurismo, os diálogos demasiado leves de dois amigos que se reencontram fisicamente mas que nunca se chegam a olhar.
Há depois histórias ligeiramente mais longas — nunca romantizadas ou cliché — especialmente dedicadas a certas personagens a que é dado mais desenvolvimento.
É o caso da trágica história de Sanctum, um discreto engomador que, no jornal, lê a notícia do seu falecimento — escrita por uma redactora conhecida pelo particular brio laboral. Devido a um rol de estranhos e trágicos acontecimentos, potenciados pela falsa notícia, a identidade do protagonista é impediosamente apagada e Sanctum acaba mesmo por morrer, vítima do sistema que parece não reconher a excepção e o erro.
A história do incêndio que envolve uma mãe e um bebé, a de Gilda, que mantém, pela vida fora, um caso amoroso com um poeta cuja poesia nunca chega a ser publicada ou o ódio comezinho entre sogra e nora — que se avoluma e assume as proporções de uma verdadeira tragédia grega — são só algumas das muitas tramas que compõem este volume.
Eisner põe a nu o automatismo em que a cidade pode mergulhar, dizendo que, apesar de tudo, há ainda vida dentro dele, e (com ela), o amor, o desejo, a ambição, o acaso e todas as suas consequências. Tenho pena de já ter lido este livro por não o poder ler, outra vez, pela primeira vez.
Elsa Alves
Livro: Will Eisner’s New York, Life in the Big City
Prefácio: Neil Gaiman
Autor: Will Eisner
Editora: W.W Norton & Company