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Mensagens

A mostrar mensagens de maio, 2020

«Informação x 3» ou «a síndrome da balança por calibrar»

Ilustração de João Maria Ferreira Desde que ficámos em casa, não me lembro da última vez que fechei a aplicação do Expresso . 80 dias depois, pensando ativamente sobre este assunto, parece-me que este hábito de ler as notícias pela manhã – que, antes, não tinha, pelo menos de forma escrupulosa – tão cedo não cessará. Feliz ou infelizmente.  Pois é, hoje em dia, ter acesso a muita informação (de forma fácil e rápida) é uma face de dois gumes: um direito insubstituível que nos permite saber até o número de doentes Covid-19 em Papua-Nova Guiné, como pode ser o carrasco que nos condena a repetidas insónias, à possível sensação de falta de tempo e, mais do que isso, a, muitas vezes, saber e perceber muito menos sobre algo de que lemos muito mas não o suficiente! Atenção: acompanhar a comunicação social de forma regular não pode, evidentemente, ser tido como um mau hábito. Aliás, a informação de carácter mais diário sempre me faltou – lacuna que assumo com pudor –, mas a verdade é que qu...

As armadilhas do verbo “encarregar”

Ponderar antes de falar: o nosso conselho antes de usar verbos traiçoeiros! | Fonte: Unsplash «É encarregado ou encarregue ?» Estas é daquelas perguntas difíceis, traiçoeiras, que decerto apanhará muitos de nós em falso! À primeira vista, diríamos que uma destas opções soa — como particípio passado — melhor do que a outra e, talvez, aquela que mais ‘canta’ aos vossos ouvidos até seja encarregue . Pois bem: não ouçam esse canto peçonhento. Como particípio passado,  encarregue não existe ! Contudo, percebemos bem a tendência para achar que esta é a forma correcta do verbo. Afinal, por analogia com, por exemplo, o particípio passado irregular «entregue» – do verbo «entregar» –, é normal que assumamos que a lógica seria a mesma com o verbo «encarregar». Mas não, meus caros. A língua é mesmo tramada e está sempre a trocar-nos as voltas. O verbo «encarregar» e o verbo «entregar» são dois verbos bem diferentes e os seus particípios passados também evoluí...

História e Ficção 101, com Eco e Baudolino

Baudolino, de Umberto Eco Os romances históricos são, para muita gente, o cabo dos trabalhos. Mas, para tantos outros, são também a melhor forma de aprender um pouco mais sobre História sem abandonar o prazer da ficção. Eu, como não me situo necessariamente em nenhum destes conjuntos e, por isso, represento todos os restantes que se recusam a ser encaixados em categorias, hoje falo-vos de um livro que acabo de ler e que me acompanhou durante longas mas divertidas noites sem sono: Baudolino , de Umberto Eco. Quem conhece a obra de Eco sabe bem que a Idade Média, a constante presença da semiótica, o jogo de enganos e a postulação de teorias sobre o mundo escondidas em casa frase são, sem sombra de dúvida, elementos sem os quais não nos sentamos à poltrona com os seus livros no regaço. Assim, mesmo sendo Baudolino um romance histórico, peço já ao meu leitor que não se deixe enganar: neste gordíssimo volume não faltam intrigas e jogos de cintura trabalhados de forma a ...

Dicas para escrever uma carta de motivação eficaz

Qualquer texto deve ser submetido a uma cuidadosa revisão. Fonte: Unsplash Escrever uma boa carta de motivação para nos candidatarmos ao emprego que tanto almejamos pode não ser tarefa fácil. Afinal, por onde começar? Qual a extensão ideal do texto? A quem o dirigir? Qual o tom ideal da carta? Que tipo de linguagem usar? Muitas são as perguntas que nos assaltam no momento de escrever esse texto que funciona como a nossa primeira apresentação, acabando por consistir também numa breve argumentação de porque é que devemos ser nós, e não outros, os felizes contemplados com o emprego em questão. Se este é um texto que pode determinar o nosso futuro profissional, devemos, obviamente, dedicar-lhe tempo e atenção — o que não significa (atenção!) que escrevamos imenso . Pelo contrário! É, sim, essencial depurar e polir o texto — pelo que entre uma página a uma página e meia de parágrafos curtos deve ser suficiente para passar, de forma sucinta, por todos os tópicos que a...

Canção bucólica I

Ilustração de Maria Monteiro O odor dos prados omnipresente e são nos quartos, dentro de casa fora, por entre o pêlo baço do cordeiro manso. E uma charrua apazigua a terra, um melro debica uma couve vigorosa. Cozem-se batatas e o seu bafejo quente toma-nos o corpo  cansado. O badalo terno de um trémulo cabrito rumoreja. A noite repousa no adro da casa. Ciprestes sucumbem  ordenados. Silentes o rio e as suas trutas nem grilos cantam sobre o nosso sono  esparso. Há só a casa  e a suspeita de um deus em vigília, à porta dela. Elsa Alves

Convívios seguros e as vantagens da convivência

A Escrivaninha deseja aos seus leitores convívios seguros! | Fonte: Unspash Se há palavras que têm sido utilizadas com cautela durante estes meses de combate à pandemia Covid-19 são as palavras convívio e convivência . Aliás, agora que estamos a entrar, lentamente, numa fase de desconfinamento, é cada vez mais importante que nos mantenhamos firmes e que apelemos ao nosso dever cívico de evitar, tanto quanto possível, o contacto com outras pessoas. Isso não é, contudo, razão para que nos julguemos para sempre afastados dos nossos e eternamente condenados à distância. É, contudo, uma óptima oportunidade de valorizarmos a proximidade de que temos tanta saudade. Assim, e como na Escrivaninha queremos ajudar-vos a conhecer melhor os vários caminhos dentro de um dicionário, hoje falaremos dessas palavrinhas de que sentimos tanta falta. Antes de mais, convém começar por fazer uma distinção importante e que Maria João Matos, na página do Ciberdúvidas , nos explica: conviver ...

Leviana, de António Ferro

                                              Capa de Leviana , de António Ferro A qualidade literária de António Ferro (1895 - 1956) parece abafada pela sua actividade jornalística e política. De facto, em 1932-33 — depois de já em 1929 parecer ter dado por concluída a sua carreira literária —, Ferro embrenha-se cada vez mais no regime salazarista, entrevistando Salazar por diversas vezes e ajudando a promover a sua imagem enquanto ditador (Barreto, 2011: 140). É precisamente esta a faceta que a maioria dos textos que se escreveram sobre António Ferro contempla, sendo esporádicos os ensaios dedicados ao estudo da obra literária do autor — que aliás parece ter-se afirmado mais pelo contributo para a divulgação de um certo gosto moderno (Martins ed, 2008: 277). Para contrariar essa tendência, hoje colocamos de lado as inclinações políticas de Ferro e, ...