«Informação x 3» ou «a síndrome da balança por calibrar»


Informação e media, marta cruz
Ilustração de João Maria Ferreira

Desde que ficámos em casa, não me lembro da última vez que fechei a aplicação do Expresso. 80 dias depois, pensando ativamente sobre este assunto, parece-me que este hábito de ler as notícias pela manhã – que, antes, não tinha, pelo menos de forma escrupulosa – tão cedo não cessará. Feliz ou infelizmente. 

Pois é, hoje em dia, ter acesso a muita informação (de forma fácil e rápida) é uma face de dois gumes: um direito insubstituível que nos permite saber até o número de doentes Covid-19 em Papua-Nova Guiné, como pode ser o carrasco que nos condena a repetidas insónias, à possível sensação de falta de tempo e, mais do que isso, a, muitas vezes, saber e perceber muito menos sobre algo de que lemos muito mas não o suficiente!

Atenção: acompanhar a comunicação social de forma regular não pode, evidentemente, ser tido como um mau hábito. Aliás, a informação de carácter mais diário sempre me faltou – lacuna que assumo com pudor –, mas a verdade é que quanto mais consumo notícias e textos de opinião, não só gosto cada vez mais da sensação de «controlo» que isso em mim provoca, mas também me lembro com cada vez mais nostalgia do quão bom era ser uma criatura mais jovem e relativamente «apolítica» – que é mais ou menos como dizer 'alguém nos mais verdes anos da sua formação pessoal, mas em plena paz consigo próprio'. 

Claro que isto tem muito se lhe diga e entre governos sem jornais ou jornais sem governos eu estaria bem à vontade do lado de Thomas Jefferson – famoso signatário da segunda hipótese, evidentemente vinculada à liberdade de informação. Contudo, perguntar porque me sentia mais leve quando não acedia a tanta informação é o mesmo que não reconhecer o mundo em que vivemos e a cultura do medo que a extrema partilha de informação acaba por, mesmo sem desejar, alimentar. Sobre ambos os espectros haveria muitíssimo para dizer e como não tenho capacidade para tal, limito-me a fazer uma sugestão de leitura em cada um dos sentidos:
1. Liberdade e Informação, de José Manuel Fernandes 
2. «What the great pandemic novels teach us», por Orhan Pamuk no New York Times

Pois bem: é evidente que estar pouco informado é um erro com repercussões tão ou mais graves do que estar excessivamente informado e de maneira alguma desejo dar a entender o oposto apenas para me poder sentir mais leve. O que aqui faço não é mais do que admitir que me mantenho informada apenas porque sei que o peso da informação que carrego tem muitos benefícios que, de certo modo, compensam as noites menos bem dormidas. 

Estar informado – numa boa e equilibrada dose – é alimento para as nossas sinapses cerebrais e leva-nos a pensar no que acontece no mundo – com mais ou menos expertise nos assuntos em causa –, de forma relativamente mais ativa. É mesmo assim: quer queiramos quer não, todos tecemos opiniões sobre quase tudo, mas transformar os nossos comentários internos em opiniões informadas (e consequentemente válidas) não é tarefa fácil e implica pelo menos dois ingredientes – além do interesse – a que só podemos aceder através da impressa:
1. os desenvolvimentos (reais) de cada questão;
2. a opinião dos outros a respeito deles;

Abstenho-me de comentar questões como as que cirandam o tema das fake news – que me assustam cada vez mais, sobretudo desde que vi o documentário da Netflix The Great Hack –, que só vêm dificultar esta tarefa de escolher (livremente) as fontes através das quais nos informamos.

Contudo, além dos ingredientes acima, a receita não fica completa sem outro passo essencial, mas talvez não tão óbvio: o de reservar tempo para deixar marinar as nossas leituras. Sim, porque para tecer opiniões pertinentes é infinitamente necessário – agora mais do que nunca – perceber que a diferença entre informação e conhecimento reside, precisamente, na diferença entre a sucessão de dados inerente à primeira e o estabelecimento de associações (reflexões e comentários) inerentes ao segundo.

Sem ler um jornal, certamente não me lembraria de que este ano se assinalaram 75 anos do fim da II Guerra Mundial, não saberia que Xi Jinping telefonou a Marcelo Rebelo de Sousa, não saberia que o meu comezinho bilhete para o Alive tinha – e muito bem – sido posto de molho, não saberia do desaparecimento e morte da Valentina, nem teria chegado à conclusão de que o #ficamemcasa e o termo 'nova normalidade' são expressões mais elitistas do que gostaríamos que fossem... Também nunca teria pensado sobre a crise humanitária que assola fronteiras tão próximas da nossa (porque não as vejo), não teria assistido às mais abomináveis decisões de Trump e Bolsonaro, e também não teria assistido à revolta social gerada pela morte de George Floyd, nem teria reflectido sobre a minha tolerância e a minha inércia em função deste tipo de terrorismo.

Não teria pensado tanto sobre o mundo – e, claro, sobre mim – sem a liberdade de informação caracterísitica da democracia em que vivo. 

Assim, somos todos um pouco políticos, é verdade. Mas não me levem a mal: sou uma rapariga de palavras e de livros e, se pudesse voltar à inocência de ser uma «criatura apolítica» talvez fraquejasse. E se não o faço é porque sei que me basta procurar calibrar a balança e não fazer de tudo isso uma obsessão. 

Não posso, contudo, evitar realçar que, por muito que retire da perturbação que a informação suscita em mim (e por muito que não queria regressar aos tempos em que a gripe espanhola atacou!), a pandemia que marcará 2020 não veio só com um vírus para minha casa: veio acompanhada por uma constante necessidade de consultar números e por uma maior necessidade de saber o que fazem e pensam os outros sobre eles. Difícil é filtrar – constantemente! – toda a informação que consumo. E quem não reconhecer uma mínima dificuldade associada a isto de ser culto e informado será injusto – e, de certa, snobe. 

Se alguém tiver por aí equilíbrio e paz de espírito para vender, compro a bom preço a dose suficiente para me esquecer do mundo só naquelas horas em que me apetece ler umas páginas sem colunas ou dormir profundamente debaixo do tecto que, graças a Deus, tenho! 

Marta Cruz

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