Avançar para o conteúdo principal

A dor de cabeça das percentagens

como escrever as percentagens?

Nos jornais, na televisão, nos trabalhos académicos, em livros de não-ficção (e de ficção) e até no futebol, as percentagens são um elemento a que recorremos diariamente.

E porquê? Porque apresentar uma determinada informação sob a forma de percentagem — isto é, sob a forma de uma parcela de 100 — não só a torna muito mais intuitiva para quem a interpreta, como isso nos facilita (muito!) a comparação de dados.

Mas a verdade é que nem sempre sabemos formular percentagens com correcção. Pois é, em torno das percentagens há pelo menos uma norma ortotipográfica e uma regra linguística e da língua portuguesa que devemos cumprir escrupulosamente.

A primeira é simples: existe sempre um espaço entre o(s) algarismo(s) e o símbolo de percentagem (%). Assim: 50 % é o correcto, e não 50%.

A segunda regra já é um pouco mais difícil de decorar, dado que passa por perceber qual o termo com que deve concordar a forma verbal que utilizamos na frase em questão. 

Ora bem, comecemos pelos exemplos:

1) «Cerca de 35 % dos jovens julga que o seu voto não conta.»

2) «Cerca de 35 % dos jovens julgam que o seu voto não conta.»

Qual das frases está correcta?

A resposta é: a 2). E porquê? Porque quando o sujeito é composto por uma expressão de percentagem que surge seguida de um termo preposicionado (isto é «x/tantos por cento de»), o predicado é obrigado a concordar com esse termo preposicionado. Isso significa que, no caso de «dos jovens», o termo está na 3.ª pessoa do plural, pelo que é nessa pessoa que o verbo julgar deve ser conjugado.

Se, por outro lado, o termo preposicionado for singular, não há que saber: o verbo deve concordar com esse singular! Veja-se o exemplo acima em contraste com este segundo caso:

2) «Cerca de 35 % dos jovens julgam que o seu voto não conta.»

3) «Cerca de 35 % da população jovem julga que o seu voto não conta.»

Contudo, note-se que há quem considere que, no caso de a expressão de percentagem ser constituída por um número inferior a 2, a concordância deve ocorrer com o numeral utilizado, obrigando a forma verbal a ser conjugada no singular. Sobre isso veja-se o que diz Maria Regina Rocha em: https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/as-regras-da-concordancia-em-frases-com-percentagem/31682

Em todos os outros casos (quando não há nenhum termo com preposição de) a concordância deve fazer-se — aqui sim, não há controvérsia — com o numeral:

4) «A população portuguesa respondeu a um inquérito. Os resultados provam que 46 % não creem no seu poder de voto.»

5) «Os portugueses não gostam de ir às urnas. Acho que só 1 % vai com gosto.»

Então? É desta que fica resolvido?

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Nem só de "passado" se faz o adjectivo

  A  palavra “passado” — não o passado que passou, mas o adjectivo — é muitas vezes erradamente utilizada.  A culpa do erro? Atribuimo-la à confusão com uma outra classe de palavra: o advérbio , que  não  varia em género (masculino e feminino) e número (singular e plural).  Por causa deste quiprocó, dizemos muitas vezes “passad o ”, mesmo quando deveríamos usar “passada”, “passadas” ou “passados”,  conforme a expressão a que o adjectivo diga respeito. E sta confusão acontece apenas quando se usa o adjectivo num contexto temporal, isto é, com o sentido de  determinado tempo volvido,  já que a ninguém ocorre usar sempre “passado” noutros contextos, como: " A camisa foi mal  passado ."  " Quero os bifes bem  passado , por favor!", " A tarde e a manhã foram bem  passado ."  Toda a gente diz, e bem: A camisa foi mal  passada .  Quero os bifes bem  passados , por favor!  A tarde e a manhã foram bem ...

Homenagem em forma de pergunta, parte I

A Conversa Fiada desta semana, e pontualmente a partir de hoje, decide dar também voz a opiniões alheias. Todos sabemos que os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros e auxiliares) foram essenciais quando a COVID-19 entrou em cena. Foi também na altura em que a comunidade médica mais precisava de alento que Marta Temido injustamente apelou à sua resiliência extra e que, numa triste ironia, Costa lhes chamou «cobardes» em off. Em jeito de singela homenagem decidimos entrevistar alguns médicos jovens, que enfrentam, durante a formação especializada, as duras primeiras provas de fogo. Aqui ficam alguns dos seus testemunhos sobre como é afinal trabalhar a cuidar dos outros. Esta é a primeira parte da nossa singela Homenagem em forma de pergunta. *** Sandra Cristina Fernandes Pera Médica de Medicina Geral e Familiar Sandra Fernandes 1) Porquê Medicina? Porque Medicina é um mundo. Aprendo imenso com as histórias dos pacientes. É uma área que me faz ver que não há duas pessoas iguais: ca...

Eat that doubt

Desenho de Fuinha Ele, ao sol, vermelho como um erro.   Eu a vê-lo; a digladiar-me com os sórdidos detalhes.   Nem a benevolência da luz influía afinação na certeza.   Amor,   como a  súbita  chuva de verão,  começa prende-te a forma esquiva; estaca em quieta complacência.   Dentro duma jarra fica   como o cúmplice  estoico do segredo.   És a decisão   de quem segue repetindo    eat  that                  doubt                     ante a luz propícia, contra a investida de uma condição.     Março, 2019     Nota : Eat that question é o título de uma música de Frank Zappa,  que inspirou o título do texto.   Elsa   Escrivaninha