House of Leaves, de Mark Z. Danielwski

House of Leaves

House of Leaves, de Mark Z. Danielewski despertou-me curiosidade assim que peguei nele. É quase inevitável para mim folhear um livro antes de me propor a lê-lo e, quando o fiz, deparei-me com uma mancha gráfica fora do comum, que parecia contrariar aquilo que eu concebia como um romance — precisamente a designação que o livro apresentava na capa.

Esse primeiro contacto fez com que estivesse consciente, desde início, de que estava perante uma experiência de leitura diferente daquelas a que estava habituado. Tinha razão: mais cedo ou mais tarde, para seguir o rasto das notas de rodapé e, consequentemente, da narrativa, teria de virar o livro ao contrário, de o ler na diagonal, de voltar umas páginas atrás, à medida que ia explorando os anexos para não perder o fio à meada.

Há duas tramas principais em House of Leaves. A primeira é a de Johnny Truant, o protagonista e o primeiro narrador, que trabalha numa loja de tatuagens e encontra, na casa do recém-falecido Zampanò, uma série de anotações que se dedica a reunir de maneira organizada e lógica. Estas anotações constituem a outra trama principal do livro, pois revelam ser um estudo sobre o filme The Navidson Record — um documentário fictício sobre a história da família de Will Navidson, que se muda para uma casa onde ocorrem fenómenos paranormais no estado de Virginia, nos Estados Unidos.

Este estudo desenvolvido pelo velho Zampanò descreve não só o conteúdo do documentário e a linha narrativa do mesmo, como é intercalado por uma série de análises que Zampanò teria feito sobre o mesmo, chegando mesmo a citar supostas entrevistas com personalidades como Stanley Kubrick ou Harold Bloom, que davam o seu parecer sobre o filme. Ao mesmo tempo, Johnny tenta encontrar, sem sucesso, esse vídeo enigmático a que o velho dedicou uma parte da vida.

As tramas ocorrem, assim, em paralelo, recorrendo várias vezes a notas de rodapé. O autor usa e abusa de diversos tipos de formatação, fontes, tipos e cores de letra (por exemplo, a palavra «house» aparece sempre a azul). Essa formatação muitas vezes obriga a que o movimento dos olhos do leitor sobre o papel acompanhe o movimento das personagens. É um mecanismo que pode ser, por vezes, cansativo, mas que certamente distingue esta de outras obras de terror.

Afinal, não foi por acaso que esta obra se tornou num fenómeno de culto ainda antes de ser publicada. O primeiro manuscrito deste trabalho de estreia de Mark Z. Danielewski foi distribuído em alguns meios pelo próprio autor, antes de conseguir o contrato com a editora Pantheon. Esta história contribui, de alguma maneira, para a marginalidade associada à obra e para todo o misticismo em que estas narrativas se envolvem — como se levasse os leitores a questionarem-se sobre o carácter ficcional das histórias.

Há uma tentativa clara de jogar com essas expectativas do leitor: o imenso estudo sobre um filme que não existia e em que são citadas várias figuras reais, a forma quase impessoal com que os anexos e o manuscrito de Johnny Truant são apresentados sob a assinatura dos editores, a quantidade e diversidade desses anexos são exemplos desse misticismo de House of Leaves.

A obra ganha ainda com o clima de imersão a que submete o leitor, chegando mesmo a induzir uma sensação de ansiedade: a meu ver, é um texto extremamente credível e funcional neste aspecto e foi provavelmente o único livro deste género que me tenha provocado, realmente, certos níveis de aflição. É uma obra sobre o espaço, sobre uma casa que é maior por dentro do que por fora, sobre a escuridão e sobre a luz — que, tão importante para o cinema, aqui tantas vezes se coíbe de aparecer.

Talvez seja esta a razão pela qual este livro não é apreciado por todos: House of Leaves levanta mais questões do que aquelas que coloca, mas fá-lo conscientemente. Considero, no entanto, que, muitas vezes, as reflexões sobre o documentário realizado por Will Navidson — feitas a várias vozes e claramente satíricas — se tornam demasiado extensas, interrompendo o ritmo da leitura.

House of Leaves foi um livro que me tirou o sono várias noites, mas mesmo assim era incapaz de o pousar. Ficou comigo até muito tempo depois de o ter terminado, pela forma como me continuava a intrigar, a perseguir. Levou-me a procurar respostas e teorias que explicassem as suas pontas soltas — desenvolvidas, pensei, por leitores mais atentos do que eu, em cantos recônditos da internet, nos lugares que talvez tivessem visto a obra nascer. Nenhuma dessas teorias me satisfez. Pelo menos não tanto quanto a sensação de dúvida plantada pela própria leitura.

Miguel Serra

Comentários

Anónimo disse…
Gosto de um livro que não se consegue pousar. Obrigado pelo seu texto.

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