Avançar para o conteúdo principal

«Cilício» e «silício»


erros da língua palavras parecidas


No «100 erros» de hoje falamos-vos de duas palavrinhas homófonas — que se lêem exactamente da mesma forma mas têm grafias e significados diferentes. Embora não muito usadas no nosso dia-a-dia, é importante sabermos distinguir estes termos que, quando ouvidos ou lidos em certos contextos muito específicos, podem, pelo som idêntico, gerar alguma confusão. 

Referimo-nos aos termos cilício e silício. Já ouviram falar deles? Pois bem, se não, vamos a explicações, munindo-nos do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 

Cilício com <c> vem do latim CILINICU e significa «uma túnica ou faixa de crina ou de um pano áspero e grosso» ou «um cinto ou cordão eriçado de cerdas ou correntes de ferro, cheio de pontas» usado como forma de penitência. Além disso, o cilício pode remeter para uma armação usada, em tempos, por soldados como protecção contra as armas de arremesso. Ademais, pode, em vez de designar a túnica de penitência que referimos, assumir o sentido figurado de «sacríficio e mortificação a que alguém se sujeita voluntariamente». 

Como vêem, o cilício evoca a ameaça de dor ou a própria dor — por mais bélicos ou mais redentores que sejam os propósitos que justificam o seu uso.

Já o termo silício com <s>, do latim SILEX, refere-se ao mineral cujo símbolo na tabela periódica é «Si», com o número 14, descoberto como elemento isolado pelo químico sueco Jöns Jacob Berzelius por volta de 1822. Hoje em dia o silício é usado para fazer louça, mas também no fabrico de componentes electrónicos. Aliás, é de tal modo relevante nesta indústria eletrotécnica que a Califórnia lhe atribuiu o nome de um vale: «Silicon Valley» (literalmente Vale do Silício). O silício tem ainda uma certa importância geológica — afinal, trata-se do segundo elemento químico mais abundante na nossa crosta terrestre.

Vejamos agora algumas frases com estas palavras para que, através do contexto, mais facilmente memorizemos a associação da grafia ao seu significado. 

Exemplos

a) São Tomás usava como forma de sacrifício uma túnica de cilício. Auch!
b) O silício é um mineral usado na indústria cerâmica e eletrotécnica.
c) A camisa de cilício é uma forma de castrar a carne, mas se os maiores pecados são os do pensamento...
d) Sabias que os chips do teu computador contêm silício?
e) Usa um colete de cilício e vais ver como se te acaba qualquer vício!
f) Em 1822, Berzelius, químico sueco, isolou pela primeira vez, de outros componentes, o silício.

Já sabem: procurem o silício na tabela periódica e o cilício em episódios bíblicos (ou sádicos) — se bem que vestir uma túnica de cilício por cada erro de português cometido talvez fosse a derradeira solução para preservar a língua intemerata, ainda que a carne ficasse um pouco macerada. Isso ou simplesmente ler, sem castigo, os textos da

Escrivaninha


Comentários

Anónimo disse…
Muito bem escrito!

Mensagens populares deste blogue

Nem só de "passado" se faz o adjectivo

  A  palavra “passado” — não o passado que passou, mas o adjectivo — é muitas vezes erradamente utilizada.  A culpa do erro? Atribuimo-la à confusão com uma outra classe de palavra: o advérbio , que  não  varia em género (masculino e feminino) e número (singular e plural).  Por causa deste quiprocó, dizemos muitas vezes “passad o ”, mesmo quando deveríamos usar “passada”, “passadas” ou “passados”,  conforme a expressão a que o adjectivo diga respeito. E sta confusão acontece apenas quando se usa o adjectivo num contexto temporal, isto é, com o sentido de  determinado tempo volvido,  já que a ninguém ocorre usar sempre “passado” noutros contextos, como: " A camisa foi mal  passado ."  " Quero os bifes bem  passado , por favor!", " A tarde e a manhã foram bem  passado ."  Toda a gente diz, e bem: A camisa foi mal  passada .  Quero os bifes bem  passados , por favor!  A tarde e a manhã foram bem ...

Homenagem em forma de pergunta, parte I

A Conversa Fiada desta semana, e pontualmente a partir de hoje, decide dar também voz a opiniões alheias. Todos sabemos que os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros e auxiliares) foram essenciais quando a COVID-19 entrou em cena. Foi também na altura em que a comunidade médica mais precisava de alento que Marta Temido injustamente apelou à sua resiliência extra e que, numa triste ironia, Costa lhes chamou «cobardes» em off. Em jeito de singela homenagem decidimos entrevistar alguns médicos jovens, que enfrentam, durante a formação especializada, as duras primeiras provas de fogo. Aqui ficam alguns dos seus testemunhos sobre como é afinal trabalhar a cuidar dos outros. Esta é a primeira parte da nossa singela Homenagem em forma de pergunta. *** Sandra Cristina Fernandes Pera Médica de Medicina Geral e Familiar Sandra Fernandes 1) Porquê Medicina? Porque Medicina é um mundo. Aprendo imenso com as histórias dos pacientes. É uma área que me faz ver que não há duas pessoas iguais: ca...

Eat that doubt

Desenho de Fuinha Ele, ao sol, vermelho como um erro.   Eu a vê-lo; a digladiar-me com os sórdidos detalhes.   Nem a benevolência da luz influía afinação na certeza.   Amor,   como a  súbita  chuva de verão,  começa prende-te a forma esquiva; estaca em quieta complacência.   Dentro duma jarra fica   como o cúmplice  estoico do segredo.   És a decisão   de quem segue repetindo    eat  that                  doubt                     ante a luz propícia, contra a investida de uma condição.     Março, 2019     Nota : Eat that question é o título de uma música de Frank Zappa,  que inspirou o título do texto.   Elsa   Escrivaninha