(As)soprar velas por seis meses de Escrivaninha!


A Escrivaninha serviços linguísticos e de edição está a crescer
Seis meses de Escrivaninha | Fonte: Unsplash

Dia 15 de Março de 2020 e a Escrivaninha faz seis meses!

Pois é, não esperávamos celebrar os primeiros seis meses de parceria e blogue cada uma em sua casa. Aliás, noutra circunstância qualquer, provavelmente escolheríamos jantar fora e, quem sabe, comprar um queque (já que o bolo deve ficar para quando comemorarmos um ano!).

Contudo, a responsabilidade social fala mais alto e, hoje (como nos próximos dias), ficaremos em casa. É tudo quanto está ao nosso alcance no combate ao Covid-19, o vírus que está a deixar o mundo em contingência e alerta.

Mas para que nem nós, nem os nossos leitores se aborreçam durante as difíceis semanas que se avizinham, a Escrivaninha continuará a alimentar o seu blogue que – novidade –, hoje é lançado neste novo formato!

Mas, afinal de contas, o que vos trazemos n'o pavio da vela de hoje?

Em dia de aniversário – e mesmo que o isolamento social não permita que façamos uma festa – todos nos lembramos de uma tradição a que já nos habituámos de tal forma que, provavelmente, nunca questionámos: o soprar das velas do nosso bolo de aniversário.

Todos os anos o ritual volta à nossa mesa de jantar e, rodeados de amigos e família, cantam-nos os parabéns em frente a um bolo carregadinho de velas acesas e, quando a canção chega ao fim, todos enchemos os pulmões de ar e tentamos apagá-las de um só sopro.

E porquê?

Ora, existem várias teorias que explicam esta tradição e a primeira delas tem origem na Grécia Antiga, quando se ofereciam doces à deusa grega Ártemis (a romana Diana) – ligada à vida selvagem e, mais tarde, à lua. Diz-se que esses doces, sobre os quais se colocavam velas, representavam o ciclo lunar. Diz-se também que só quando as velas se apagassem (com um só sopro) o pedido chegaria à deusa.

Esta tradição terá certamente surgido do facto de a deusa ter desde sempre estado associada, no que ao seu culto diz respeito, à fertilidade e fecundidade das mulheres, bem como à protecção das crianças. Leia-se o que diz Marília Futre Pinheiro em Mitos e Lendas da Grécia Antiga:

«Apesar de as lendas referentes a Ártemis estarem recheadas de exemplos de castigos exemplares aplicados a todos quantos ousarem atentar contra o seu pudor (...) um dos papéis mais importantes que lhe foi atribuído no culto foi o de padroeira da fertilidade e fecundidade, não só dos seres humanos, mas também de toda a natureza. Protectora do matrimónio sob as designações de Eukleia ("Gloriosa") e Hêgemoneia ("Condutora, Padroeira"), nas vésperas do casamento as noivas ofereciam-lhe uma mecha de cabelo e uma peça do enxoval, para lhe implorarem protecção e fertilidade (Brandão, 2003:69). Deusa que preside aos nascimentos, na Época Helenística era adorada em Delos pelas futuras jovens mães com o epíteto de Locheia ("Parteira")(...). Como divindade tutelar das crianças e dos jovens surge-nos como Paidotrophos ou Kourotrophos ("a que alimenta ou educa as crianças e os jovens"), Philomeirax ("a que protege as raparigas e os rapazes") e Patrôa ("Paternal").» (Futre Pinheiro, 2011:322) [negritos nossos]

Segundo outra teoria – ao que parece mais popular –, a tradição do soprar das velas surgiu por volta do século XVIII na Alemanha, em fruto de uma celebração designada Kinderfest em que, desde a época medieval, se celebrava o nascimento de cada criança.

Na Kinderfest, acendiam-se duas velas – que deviam permanecer acesas durante todo o dia – sobre o bolo da criança aniversariante, sendo que a chama de uma das velas representava a sua vida e a chama da outra representava os anos que ainda tinha pela frente. Quando o dia de aniversário chegava ao fim, a criança devia tentar apagar as velas com um só sopro, para que o fumo chegasse a Deus e as preces de todos os seus fossem, finalmente, ouvidas.

E, já agora, caso a dúvida vos tenha surgido ao longo deste texto, será que devemos soprar ou assoprar as velas do nosso bolo de aniversário?

Bem, de acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a primeira acepção de soprar é «fazer o ar sair com força pela boca ou pelo nariz, dirigindo o sopro para ou sobre (algo)», verbo que surge exatamente como um sinónimo de assoprar, já que vem do latim sufflo, as, avi, atum, are, que significa 'assoprar, esvaziar, desinchar'.

Da mesma forma, a página do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa realça que, deixando de lado os possíveis sentidos figurados destes verbos, assoprar é um sinónimo de soprar ou ventar (que se forma através da adição de um 'a' protético ao verbo soprar) e, por sua vez, soprar significa «dirigir o sopro para».

Por isso, conclui-se que ambas as formas são consideradas correctas – «assoprar as velas» ou «soprar as velas» – embora a variante assoprar possa ter um pendor relativamente mais popular.

Em todo o caso, este mês, por segurança e civismo, não (as)sopraremos as velas à Escrivaninha.

Façam como nós e, caso o vosso aniversário esteja para chegar, procurem fortalecer o vosso espírito de sacrifício, evitem os encontros sociais, adiem as festas de aniversário, e deixem o (as)soprar das velas (e dos germes) para outro dia.   

Escrivaninha

Referências

Futre Pinheiro, M. (2011). Mitos e lendas da Grécia antiga. Lisboa: Clássica Editora.
Houaiss, Antônio, Salles Villar, Mauro de. 2015. Grande Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Rio de Janeiro: Círculo de leitores 6 volumes. 

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