Um deus infernal, um verbo banal




Este é um dos verbos quase sempre previamente condenados a arder num cenário dantesco quando abrimos a boca para o conjugar — especialmente na 2.ª pessoa do singular.
Isto porque, constantemente, invocamos «Hades» — o terrífico deus do submundo — quando, na verdade, apenas queríamos, muito candidamente, dizer a inócua forma verbal hás-de.
Porque estamos todos cansados de ouvir este erro — e, convenhamos, «Hades» não aguenta tantas solicitações — vamos à explicação.
O verbo haver, como bem sabemos, se conjugado como verbo principal tem apenas a 3ª pessoa do singular. Dizemos (e bem): «Houve uma tempestade» e «Houve várias tempestades».
Contudo, quando o verbo haver deixa o seu protagonismo e se verga ao posto de mero verbo auxiliar, a maioria de nós confunde-se, evocando o deus das almas perdidas do submundo e aproximando o nosso desejo de felicidade alheia a uma espécie de maldição: «Hades ser feliz, meu filho!”. Isto é um erro crasso.
Como, então, conjugar (angelicamente) o verbo haver como auxiliar?
É muito simples. Vejamos as frases seguintes.
1) «Eu hei-de ser feliz.»
2) «Tu hás-de aprender esta regra.»
3) «Ele/ ela/ você há-de bater palmas a este artigo.»
4) «Nós havemos de ser craques a português.»
5) «Vós haveis de estranhar esta pessoa verbal.»
6) «Eles hão-de respirar de alívio porque a explicação está quase a acabar.»
Apesar de a construção com o verbo haver como auxiliar seguido de um verbo principal — presente nas frases acima — ter um quê de formalidade, não são assim tão raras as vezes em que a usamos, ou tentamos usar. Por isso, decoremo-la de uma vez por todas. Digam connosco: hás-de!
Além disso, como vêem, é muito mais rebuscado (e perigoso) chamar pelo nome daquele que não queremos evocar, do que simplesmente deixarmo-nos ficar pelo pacífico hás-deHás-de concordar connosco, não?
Ah, e para quem segue o AO de 1990, não se esqueçam: o acordo prevê a queda do hífen nas formas monossilábicas deste verbo.
Boas conjugações!
Escrivaninha

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