Folar transmontano e judeus ardilosos



O folar transmontano e a sua história



Caros leitores, no «Pavio da Vela» de hoje, as raízes transmontanas de uma de nós pedem que vos falemos de uma tradição culinária de Trás-os-Montes que a cada Páscoa se prolonga e perpetua: a de fazer e comer o folar de carnes transmontano.

Bem sabemos que o folar doce — normalmente com um ovo no meio e sobre o qual se coloca massa em forma de cruz ­— é talvez o mais popular e até o mais apreciado — porque, enfim, «o que é doce nunca amargou» e são cada vez mais as pessoas que aderem a uma alimentação desprovida de proteína animal, preferindo este à versão salgada.

Contudo, hoje é mesmo do folar transmontano de carne que nos ocuparemos, sabendo que não há como agradar a gregos e troianos. 

Ora bem, o folar transmontano, também denominado Folar de Valpaços, leva uma massa similar à do pão, à qual se junta ovos, azeite e, mais ou menos, consoante a gula, pedaços de carne de porco ou de vaca dos tão célebres enchidos da região.

Importa dizer que o folar é feito e consumido na quadra pascal e assume-se como um petisco inserido numa tradição católica — aliás foi, durante muitos anos, a oferta de muitos padrinhos aos seus afilhados.

Mas existe mais um facto interessante associado ao folar e que comprova a argúcia do povo judeu. Segundo dita a História, os chamados cristãos-novos — ou os judeus que aceitavam (mesmo que só aparentemente) a religião cristã —, deviam, de modo a evitar uma eventual desconfiança que pudesse espoletar a tão temida perseguição religiosa, aparentar o consumo da carne de porco — proibida, como sabemos, pela religião hebraica.

Então, também eles, à semelhança de tantos cristãos, confeccionavam o folar salgado, com a particularidade de o recheio ser constituído maioritariamente por carnes brancas, de coelho e de aves, ou por carne de vaca. Contudo, temperavam estas carnes de forma a reproduzir o aspecto da carne de porco e consequentemente de modo a despistar qualquer suspeita que pudesse recair sobre a fé cristã de quem consumisse a iguaria.

Com esta estratégia (definitivamente rebuscada!), afirmavam-se cristãos(-novos) perante a comunidade, conseguindo manter-se a salvo da perseguição e ajudando a perpetuar esta tradição, que ainda hoje se mantém.

Felizmente que, nos dias que correm, comer folar vem mais saciar a nossa gula do que confirmar qualquer credo ou fé. E o que não falta é variedade: desde folares sem glúten para os celíacos a folares sem carne para os vegetarianos.

Em tempos de quarentena, o que importa mesmo é que, quando a Páscoa chegar, encomendemos ou confeccionemos o nosso folar doce ou salgado, com as adaptações necessárias ao nosso palato, convicções e restrições alimentares.

Deliciem-se, democrática e livremente, com o vosso folar preferido.

Escrivaninha 

Fontes usadas: https://tradicional.dgadr.gov.pt/pt/referencias/outras-fontes/155-produtos-tradicionais-portugueses-lisboa-dgdr-200

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