«Manual de sobrevivência de um escritor», de João Tordo


Foto da capa de Manual de Sobrevivência de um escritor, de João Tordo
 
Foto da capa do livro 


Há pouco tempo comprei – em pré-venda mas sem dar por isso – o último livro do João Tordo: Manual de sobrevivência de um escritor, ou o pouco que sei sobre aquilo que faço. Mergulhei nele sem ler a contracapa, exercício que algumas vezes faço simplesmente por achar que é divertido, e fui dar com um livro de «memórias» de um autor vivo – e jovem – que só não devorei em menos de uma semana e meia porque, felizmente, tenho muito mais para ler e, infelizmente, tenho muito mais coisas para fazer além disso. 

E agora? Agora estou eu aqui tão exposta quanto o João porque com a minha leitura – e a sua velocidade – entrego de bandeja a quem me lê a minha maior fragilidade: o ter interesse neste assunto. 

Pois é, gostar de escrever – e, sobretudo, não saber se se tem jeito para agarrar na caneta – é, provavelmente algo que todos os que comprarem este livro terão em comum. Mas, para bem ou para mal, terão também muitas outras de que João Tordo nos fala: como é que vive um escritor? Como escreve? Porque escreve? 

É certo que este «manual» pode não trazer muito de novo aos que já tiverem lido outros escritos sobre o ofício da escrita e talvez até pareça um investimento relativamente contraproducente àqueles que o que realmente querem é que alguém lhes revele como se escreve um bom livro – e, se não for pedir muito, se o que eles escrevem presta para alguma coisa. 

Atrevo-me a discordar por uma razão muito simples: o que João Tordo aqui faz é uma série de revelações sobre o que tem sido, para ele, o ofício de escrever, das suas vantagens às suas (dominantes) dificuldades. Sim, que não se engane o leitor: não é um livro fácil para quem tenha ambições literárias. Não deixa de ser um tipo de leitura quase necessária precisamente por isso. Aliás, porque o autor o faz com um nível de pragmatismo que é muito útil, com humor e com uma boa dose de misericórdia por quem o lê. Já para não falar do tom confessional de muitas parcelas do texto que, francamente, são reconfortantes.

E fala-se um pouco de tudo, misturando o que dizem outros, com o que pensa e sente o autor. De coisas práticas, como conselhos sobre como ir beber conteúdo à vida, da importância a dar ao enredo e à técnica, do valor da edição, do imbróglio das traduções, da relação com a crítica, dos «pozinhos mágicos» inspirados nas Sininhos da vida. Mas também se fala de coisas menos práticas a que os mais ansiosos nem sempre dedicam a maior das atenções: da família, do tédio, do sucesso e do fracasso, do dinheiro, e de uma coisa que sempre me foi cara, a ansiedade.

Eu dou destaque a três capítulos: A edição; A inveja; O tédio. No primeiro caso, João Tordo sublinha, sobretudo duas noções: que ninguém escreve sozinho e que nenhum editor que se preze fará nada mais do que ajudar o autor a escrever melhor. O truque é, e cito, «Olha para o teu trabalho com desconfiança» e sabe que «O processo é de humildade, não de humilhação» (p.107). No caso da inveja, é ainda mais simples do que isto: «Sempre que a impulsividade ditar uma crítica, ou um comentário maldoso, ou um boato, ou um cerrar de fileiras, respira fundo e lembra-te de que um dia vais morrer. Era bom que não fosse de inveja.» (p.167). Por fim, sobre o tédio digo-vos apenas que, pelo menos com este livro ainda a fresco, vou estar menos contactável. O resto, leiam vocês.

Mas se há coisa que o João Tordo sabe – e nos diz com franqueza – é que, no ofício da escrita, há poucas certezas. Parece-me, por isso, que, na verdade, ele não sabe assim tão «pouco» sobre aquilo que faz. 

Marta

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Obra: Manual de sobrevivência de um escritor ou o pouco que sei sobre aquilo que faço
Autor: João Tordo
Editora: Companhia das Letras

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