Avançar para o conteúdo principal

«Que» ou «de que»? Eis a questão



que vs de que, como usar?
Que ou de que? Eis a questão | Fonte: Unsplash

Entre as várias dúvidas que o domínio da língua portuguesa tantas vezes causa, há uma que, apesar de passar relativamente despercebida, é bastante assídua. 

Quando é que dizemos apenas que ou de que?

Ora, é muito simples, saber se utilizamos que ou de que com determinados verbos ou substantivos e adjectivos depende de um conceito de que já aqui falámos algumas vezes: a regência. Para relembrar, a regência refere-se, nada mais nada menos, do que à relação entre uma determinada palavra e seus dependentes. 

Quando falamos da regência verbal falamos do facto de alguns verbos precisarem de preposições para darem "entrada" nos complementos e outros não. Já no caso da regência nominal a palavra regente é sempre obrigatoriamente preposicionada. 

Assim, empregamos de que, quando o verbo que antecede este de que exige a preposição de (isto é, é regido pela preposição de).

Exemplos:

1.1. «Lembrei-me de ir a casa do João.»

1.2. «Lembrei-me de que é urgente ir a casa do João.»

2.1. «A Maria esqueceu-se de me trazer as chaves.»

2.2. «A Maria esqueceu-se de que tinha de me trazer as chaves.»

No caso dos substantivos e adjectivos, saibam que há alguns que requerem a preposição de, como é o caso de certeza, ideia, argumento, medo, vontade ou seguro, indeciso e hesitante. Nestes casos o que não é uma pronome relativo (como em «O carro que eu comprei é verde»), mas uma conjunção integrante. Assim, não pode ser substituído por "o qual" e, consequentemente, não pode dissociar-se do seu amigo de. 

Exemplos:

3. «Tenho a certeza de que o Paulo me vai ajudar.»

4. «Tenho ideia de que deixei a minha carteira no carro.»

5. «Ela mostrou vontade de que ele voltasse cedo.»

6. «Eu tenho medo de que ela não chegue a tempo.»


Por outro lado, não empregamos de que, mas apenas que, quando o verbo de modo nenhum exige a preposição de.

Por exemplo:

7. «A Universidade de Lisboa participa que estão abertas as inscrições».

8. «Quais são as disciplinas que mais detestas?»

9. «Pensas que é preciso gritares para te fazeres ouvir?»

10. «Tenho tudo o que precisas.» – sobre este último exemplo leia-se o esclarecimento do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa


Escrivaninha

Comentários

Alcilea disse…
Ah! Se a TV Globo, cá no Brasil, lesse e aprendesse, não falaria que a Globo é boa porque sabe "o que o brasileiro gosta"! Dói no ouvido, "né" não?

Mensagens populares deste blogue

Nem só de "passado" se faz o adjectivo

  A  palavra “passado” — não o passado que passou, mas o adjectivo — é muitas vezes erradamente utilizada.  A culpa do erro? Atribuimo-la à confusão com uma outra classe de palavra: o advérbio , que  não  varia em género (masculino e feminino) e número (singular e plural).  Por causa deste quiprocó, dizemos muitas vezes “passad o ”, mesmo quando deveríamos usar “passada”, “passadas” ou “passados”,  conforme a expressão a que o adjectivo diga respeito. E sta confusão acontece apenas quando se usa o adjectivo num contexto temporal, isto é, com o sentido de  determinado tempo volvido,  já que a ninguém ocorre usar sempre “passado” noutros contextos, como: " A camisa foi mal  passado ."  " Quero os bifes bem  passado , por favor!", " A tarde e a manhã foram bem  passado ."  Toda a gente diz, e bem: A camisa foi mal  passada .  Quero os bifes bem  passados , por favor!  A tarde e a manhã foram bem ...

Homenagem em forma de pergunta, parte I

A Conversa Fiada desta semana, e pontualmente a partir de hoje, decide dar também voz a opiniões alheias. Todos sabemos que os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros e auxiliares) foram essenciais quando a COVID-19 entrou em cena. Foi também na altura em que a comunidade médica mais precisava de alento que Marta Temido injustamente apelou à sua resiliência extra e que, numa triste ironia, Costa lhes chamou «cobardes» em off. Em jeito de singela homenagem decidimos entrevistar alguns médicos jovens, que enfrentam, durante a formação especializada, as duras primeiras provas de fogo. Aqui ficam alguns dos seus testemunhos sobre como é afinal trabalhar a cuidar dos outros. Esta é a primeira parte da nossa singela Homenagem em forma de pergunta. *** Sandra Cristina Fernandes Pera Médica de Medicina Geral e Familiar Sandra Fernandes 1) Porquê Medicina? Porque Medicina é um mundo. Aprendo imenso com as histórias dos pacientes. É uma área que me faz ver que não há duas pessoas iguais: ca...

Eat that doubt

Desenho de Fuinha Ele, ao sol, vermelho como um erro.   Eu a vê-lo; a digladiar-me com os sórdidos detalhes.   Nem a benevolência da luz influía afinação na certeza.   Amor,   como a  súbita  chuva de verão,  começa prende-te a forma esquiva; estaca em quieta complacência.   Dentro duma jarra fica   como o cúmplice  estoico do segredo.   És a decisão   de quem segue repetindo    eat  that                  doubt                     ante a luz propícia, contra a investida de uma condição.     Março, 2019     Nota : Eat that question é o título de uma música de Frank Zappa,  que inspirou o título do texto.   Elsa   Escrivaninha